Èşù nunca gostou de ficar parado num só lugar, seu prazer
era andar pelas tribos, chamar a atenção de todos, contando suas aventuras
(sempre aumentando um pouquinho) e gabando-se por suas descobertas.
Muitas vezes causava intrigas, fazendo o leva-e-traz, pois
tinha acesso livre a todos os reinos. Embora fosse brincalhão (deleitava-se ao
pregar uma peça em alguém), gostava de estar sempre bem com todos, pois era
muito político, fazia de tudo para agradar.
Muitos o estimavam, era o òrìşà com maior número de
adoradores, ele conquistava a admiração de todos, fosse com suas previsões,
dadas pelo seu jogo de búzios, fosse com uma boa conversa: falava do que sabia
com eloquência e do que não sabia, sofismava com eloquência, quando era
surpreendido num assunto que pouco sabia, mudava de assunto tão rapidamente que
ninguém percebia.
Sua chegada às tribos era motivo de festa, as crianças saiam
saltitantes de moradia em moradia, anunciando entre palmas e gritos. As pessoas
se atropelavam e o circundavam, tentando tocá-lo. Quando ele parava no meio da
aldeia, todos se sentavam a sua volta, ouvindo-o contar as notícias e suas
peripécias, que provocam risos e veneração.
Èşù era sempre portador de uma novidade, trazendo sob suas
vestes algo inusitado, curiosidades que arrancavam urros de espanto dos
espectadores. Quando percebia que as pessoas se cansavam de seus pertences e
suas histórias e não lhe davam a devida atenção, ou ele aprontava uma pilhéria,
ou entediava-se e ia embora, procurando obter a esperada consideração em outra
tribo.
Numa dessas visitas a uma tribo, enquanto Èşù contava suas
aventuras com maestria, um forte tremor de terra fez com que todos os
espectadores debandassem entre gritos desesperados, deixando o narrador sozinho
no meio da aldeia. Após o rápido terremoto, o silêncio era tão grande que se
podia ouvir o pensamento do pandego. Passou por sua mente a vontade de
descobrir o que sucedera.
Era Odùdúwà, a mãe natureza, demonstrando sua ira, devido à
grande devastação que ocorrera numa disputa entre tribos, onde uma botou fogo
na vegetação da outra, em busca de enfraquecimento do inimigo. O incêndio
atingiu grande parte de uma floresta, dizimando a fauna e a flora da região.
Perplexo, ele levantou-se como quem esperava o pior, pois o
silêncio era um mau presságio. Quando ele ameaçou caminhar, um novo tremor
sucedeu desta vez, mais forte e duradouro, as pedras rolaram e os gritos
ecoaram pela aldeia, grandes árvores caíam por terra, arrastando consigo
séculos de história. Os pássaros abandonavam as árvores em revoada, os macacos
pulavam de galho em galho em total desespero.
Aos pés de Èşù o chão começou a se abrir, formando uma
imensa fenda, fazendo a terra sangrar, mostrando a lava incandescente. Quando a
ferida começou a cuspir bolas de fogo, o chão parou de tremer. O fogo não
abalou a confiança dele, que mesmo em meio à grande e espessa fumaça, avistou
um material que brilhava como a luz do Sol. Dando vazão a sua curiosidade,
chegou perto da lava, uma vez que ele era o senhor do fogo e dos vulcões, o calor
não lhe fez mal algum. Com as mãos colheu o material, tratava-se de uma esfera
de brilho estonteante, cuja cor dourada chegava a ofuscar seus olhos, que eram
duas bolas de fogo. Frente à infinita beleza, ele decidiu apossar-se da bola
brilhante no intuito de juntá-la às suas outras descobertas, que ficavam
escondidas em sua gruta, cujo caminho só ele conhecia.
A fumaça e a lava já se dissiparam, quando o pandego,
vislumbrando seu achado, dirigia-se para fora da aldeia. Tomado por um grande
delírio, pôde ouvir alguém atrás de si. Era o chefe da aldeia, correndo em sua
direção, tropeçando, gritando aflito:
- Oh! Senhor das peripécias, eu suplico, não carregues nosso
precioso objeto, pois nele está o sustento de nossa aldeia! Se tirá-lo de nós,
tudo a nossa volta ruirá!
Demonstrando profundo desdém, o viril òrìşà abandonou o
local, tomado pela energia da valiosa esfera.
À medida que Èşù se afastava, o que havia sobrado da aldeia
caía por terra, dizimando todos que ali estavam transformando tudo em pó e
profundo silêncio.
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O Culto Tradicional Yorùbá, vem resgatar nossa cultura milenar, guardada na cabaça do tempo.